É montando caixa de papelão pra mudança que a gente confirma o status de adulta.
No começo de 2022 eu vivi um momento muito marcante ao chegar de volta na casa onde eu morava, depois de uma viagem mais longa. A ideia, quando fui morar lá, era que fosse algo temporário. Eu tinha acabado de terminar um relacionamento e só levei comigo minhas roupas e meu cachorro. Fiz o que pareceu a melhor opção na época e não olhei para trás. Na casa, não mobiliei nada, não fiz questão de decorar os ambientes e nem de me fazer confortável. Dormi num colchão no chão por anos e chegou num ponto em que eu nem me incomodava mais. Incrível como a gente se adapta.

Meu escritório, que inevitavelmente também é cenário de vídeos e fotos, foi o único lugar da casa toda que, depois de alguns anos morando lá, ganhou um toque meu. Foi nessa fase, em parceria com um arquiteto de super bom gosto, que eu comecei a lembrar que gosto de decoração e de ser criativa nas minhas escolhas. Não é que subestimasse a importância do ambiente em volta tanto para a minha produtividade quanto para o meu bem estar. Eu só não conseguia achar motivação para passar sozinha por todas as mudanças que uma mudança de endereço acarretaria.

Mas aí eu entrei no meu quarto depois daquele um mês fora e isso mudou. Eu não tinha nem terminado de subir com as malas da viagem quando peguei o celular para chamar um Uber. Já tinha decidido: não passaria aquela primeira noite de volta dormindo no chão e não deixaria o ano terminar sem sair definitivamente de lá: pra um lugar novo, só meu e com a cama nova que eu já teria comprado dali a uma hora.
Fiz um plano financeiro para estabelecer prazos que fizessem sentido e, de acordo com as minhas contas, quando chegasse o meio do ano eu já poderia começar a olhar lugares para alugar com mais afinco. Deu certo. Rápido.
O apartamento que eu encontrei e resolvi visitar foi o primeiro e único. Tinha algo sobre ele que simplesmente pareceu certo. Bem iluminado, bem distribuído, bem localizado. Novinho de tudo. Voltei aqui mais duas vezes antes de fechar o contrato achando que ia encontrar algum defeito mas todas as vezes que eu olhava em volta, conseguia visualizar o que eu queria em cada canto e me enxergar em todos. Quando percebi que já tava pensando onde eu colocaria as lampinha de Natal, decidi assinar logo os documentos e começar o corre.
E que corre, meus amigos.
Eu não tinha nada além da bendita cama e itens de escritório. A gente não dá valor pras geladeiras da nossa vida até ficar sem elas… #valorizesuageladeira. Comecei a fazer pesquisas detalhadas sobre cada produto que eu precisava comprar e olha – que saco. A gente que virou adulto com acesso à internet não consegue NÃO achar que tudo é golpe. Preços, taxas de consumo de energia, garantias, datas de entrega, medidas, comentários de clientes. Li tudo, pesquisei tudo, desconfiei de tudo. Fui nas lojas ver pessoalmente, fiz todas as perguntas de novo pra cada vendedor que me atendia, pesquisei mais em casa, fiz conta, pedi descontos, pesquisei mais. No fim decidi comprar as seguintes tralhas pra começar:
- geladeira
- microondas
- fogão
- máquina lava e seca
- tv*
- sofá
- mesa de jantar**
Quem lê assim pensa que foi foco total nisso mas não: numa janela de mais ou menos dez dias, eu tive que ajeitar tudo para a mudança enquanto continuava trabalhando e lidando com tudo de pior na minha pessoal. Ah, e fiquei doente também. Imagina a raiva quando chegaram as caixas de papelão e elas eram ruins.
Eu tenho um livro de crônicas (escrito e ainda não publicado) sobre quando morei no Canadá que começa assim:
“Foi só quando me vi sentada no chão do quarto com absolutamente todos os meus pertences da vida espalhados que me dei conta de que estava com medo. Chorei.”
Logo em seguida desse trecho eu parto para uma análise menos dramática sobre a quantidade de camisetas inúteis que a gente acumula sem perceber, mas o ponto é que me vi, treze anos depois, literalmente na mesma cena.

Não chorei dessa vez e não senti medo também. Foi escolha minha, sem pressão de ninguém e sem nenhuma dúvida existencial. Bem diferente de quando eu tinha 19 anos lá naquela parte da história. Mas admito que quando chega a terceira vez frustrada de colar com fita adesiva a parte interna de uma caixa ruim de papelão, bate a vontade de ir refletir sobre isso durante a queda do topo de uma montanha.
Bom. Enumerei as fucking caixas e anotei o conteúdo de cada uma delas numa lista do celular. Gastei cinquenta metros de plástico bolha para embrulhar um espelho duas vezes maior que eu e o tampo de vidro da minha mesa de trabalho. E os copos. E a base da cama. E o colchão. Uma coisa eu posso dizer com orgulho sobre minhas habilidades de organização e empacotamento: nada quebrou durante a mudança. Nem uma lasquinha do canto de nada. Fui junto no caminhão que aluguei? Fui. Mas não quebrou nadaaah.
As duas primeiras semanas no apartamento novo foram: sem geladeira e sem muita noção do que eu ainda precisava comprar. As coisas foram chegando em parcelas mas tudo que eu trouxe foi organizado já no primeiro dia porque a essa altura eu não tava mais batendo bem das ideias. Dito isso, morei com os plásticos e as caixas ruins por vários dias antes de ficar em paz com o conceito de jogar meu dinheiro diretamente no lixo reciclável – entendi que não há outra opção quando se trata de mudança.
Não sei se já tenho muitas conclusões sobre o processo como um todo a não ser que essa coisa de ~ter seu próprio espaço é homeopática. Pelo menos com base nessa minha primeira experiência 100% sozinha, senti por muitos dias que era convidada aqui. Só agora – quase um mês depois, tô começando a começar a sentir que quando chego aqui, estou em casa. O mais curioso é que eu também não sentia isso onde eu morava antes mesmo sendo o último lugar em que estive com a minha família completa, há anos. Fica aí o assunto pra terapia (que inclusive teve que ser intensificada desde o começo do ano por motivos de pareço sã mas parecer sã é habilidade desenvolvida). Acho que se sentir em casa não tem tanto a ver com o lugar em si e nem com as nossas coisas. Mas ainda preciso pensar mais sobre isso.
No mais, aprendi que sou uma excelente limpadora de paredes, que dá pra pegar caixas boas e plásticos grandes na Tok&Stok se você for legal, que contas de água, luz e gás são chamadas de “serviços de utilidade pública” em contratos e que ter tv é maneiro. *Deixei o asterisco na lista porque eu não precisava de uma tv – eu nunca tinha comprado uma e sentia zero falta. Mas aí eu vi na loja, pesquisei sobre a tecnologia dos LEDs e do som, olhei de novo na loja, pesquisei sobre tipos de suporte pra tv ficar parecendo um quadro na parede, olhei de novo na loja, pedi pro moço ligar o som dela de verdade pra eu ouvir e resolvi comprar pra minha casa.
O **asterisco duplo é sobre minhas escolhas de decoração porque coloquei “mesa de jantar” na lista e não foi isso que eu acabei comprando com base na seguinte lógica: pra que fazer igual todo mundo se eu posso fazer diferente? – mas aí se vocês quiserem ler sobre isso eu crio um novo post contando as aventuras da Cintia decoradora de interiores (still ongoing, inclusive).
Se posso conectar tudo isso que contei aqui com o processo de aprender inglês, que provavelmente é o motivo de você me seguir pelas redes sociais, pra mim é tão claro quanto a minha nova sala de estar: ter um objetivo bem definido, traçar metas realistas e realmente aproveitar o caminho conforme ele se molda, muda e te surpreende (positiva e negativamente também, faz parte do rolê) é um plano difícil de dar errado. Eu não esperava estar com tudo diferente já no meio do ano – era minha data para iniciar a missão. Mas quando as coisas começaram a dar certo rápido, eu já estava pronta. E isso acontece demais em outras áreas da vida. A gente só consegue pegar as oportunidades se estivermos prontos pra elas. Com o passaporte em dia. Com a saúde boa. Com os dinheiros em ordem. Com o inglês afiado. Por isso é tão importante saber o que é importante pra você e fazer o que precisa ser feito, mesmo que aos poucos. Foi o que eu fiz quando decidi que não ia mais dormir no chão em janeiro e funcionou.


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