Dia 16/02 (semana 1)

Evitei todas as manhãs, essa semana. Evitei as noites, também. Evitei sair. Evitei olhar pela janela. Evitei me mexer muito. Toda minha energia ficou em absorver o significado do momento que estou vivendo e tentar entender o que preciso aprender com ele. Tem tanta coisa que tá difícil manter noção do tempo.

Como é triste olhar aqui pra porta do escritório e saber que você não vai aparecer, bicho. Ontem contei pro Lucas que você morreu e ele perguntou se podia te ver. Eu também penso isso. Não queria estar tão triste. Mas não sei como ficar de outro jeito.

Teve um dia desses últimos em que caiu a maior tempestade. Foi na segunda. Pensei que já tava ficando escuro. Pensei que já tinha passado da hora da lâmpada colorida ligar automaticamente. Fui fechar o vidro da sacada e pela primeira vez desde que o mofilho morreu eu olhei pro céu. Tava tudo nublado a não ser por uma partezinha logo em frente à janela que eu precisava fechar, só um cantinho de luz pelas nuvens. Tirei uma foto.

Assim que sentei para escrever algo sobre o que estava sentindo, a lâmpada colorida ligou. Sei lá.


Dia 23/02 (semana 2)

Tem dias ruins. Tem dias piores. Me pego parada encarando o nada várias vezes. Ainda não consegui regular meu sono, ainda não consegui encarar uma manhã completa. Sinto que minhas lágrimas secaram direto da fonte, como se meu coração não aguentasse mais mandá-las pra cima. Mesmo assim, tô chorando agora. Eu sinto a presença do Calvin o dia todo, pela casa. Ele sempre gostou de passar tempo nos cantinhos que escolhia e aí quando vinha dar um oi, ficava perto um pouco, dava uma olhada na rua, tomava água, dava outra demorada olhada na rua, mais uma encostada em mim e aí voltava pra um outro cantinho. É como se a gente estivesse num desses intervalos o tempo todo, esses dias.

Mas aí eu mexo num pacote, abro uma gaveta ou falo algo em voz alta e ele não vem. Quebra mais um pedacinho de mim toda vez.

Eu não quis procurar informações nem falar na terapia sobre luto. Não quero um passo a passo para o que eu tô sentindo e não quero ler nem ouvir que a dor eventualmente vira outra coisa. Aliás, tudo que eu tô passando tá morando dentro de mim, nesse silêncio tão mais profundo que eu nunca havia conhecido até agora. As pessoas até falam, gentilmente, que tudo bem levarmos o tempo que for necessário. Mas a real é que isso não é verdade e não significa nada. O tempo necessário para mim vai ser até chegar a minha vez de morrer.

Pra quem estiver lendo isso e se preocupar com o básico, estou fazendo o básico. Comendo, dormindo mais ou menos, tomando banho. Essa semana vi alguns amigos do prédio e fui treinar também. Mantive a maior parte dos meus compromissos com os alunos particulares e limpei a casa no final semana. Estou fazendo o básico.

Hoje faz duas semanas que o Calvin morreu. Eu sinto que preciso voltar a ser criativa, a falar com a comunidade que me segue e a acordar de manhã. Sinto que preciso criar uma nova rotina e sinto dor toda vez que penso que não tenho pressa de voltar pra casa quando estou fora porque o Calvin não vai estar aqui precisando sair pra passear. Não sei se a pressão do mundo em volta é o que faz seres humanos como eu saírem forçados dessa inércia e não sei como combinar tudo que aprendi com a morte do mofilho nesses últimos dias com a imensa tristeza que eu sinto afundando dentro de mim a cada dia que passa. Parece que essas coisas todas não combinam. Que não foram feitas para coexistirem.

Por outro lado, enquanto escrevo isso, tem uma voz dentro de mim dizendo que se tem alguém que vai saber combinar isso eventualmente, sou eu. Que nada disso é coincidência. Que o meu cachorro foi um presente enquanto viveu e agora também. E não só pra mim. Eu sei.

Isso agora eu sei. Só.

2 respostas para ‘Duas semanas

  1. Perder alguém que a gente ama é muito dolorido e nada do que qualquer pessoa falar vai poder te consolar. Mas quando eu perdi alguém especial, eu li algo que por alguma razão me confortou, talvez por ser exatamente o que eu estava sentindo.
    A poesia se chama:
    O Sentir

    De repente eu senti um vazio
    Senti me faltar o ar, a voz a
    respiração
    De repente senti tudo girar
    Senti tudo e nada
    Senti tudo parar

    Como quando se olha a fim de
    não olhar
    Como quando se ouve, não
    querendo escutar
    Como quando sentindo, não
    querendo aceitar
    Como quando partindo, não
    querendo deixar…
    Eu vi
    Ouvi
    Senti
    Perdi…

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